“Platão e Aristóteles acreditavam que uma vida dedicada à contemplação era a forma mais elevada de viver.”
Susan Neiman em “Why Grow Up?” (livro sem tradução para o PT, disponível aqui)
AWE / AWARENESS / ASTONISHMENT / ENTHUSIASM
Me perdoem desde já, mas hoje vou precisar ser a chata do inglês.
O dicionário Oxford escolheu “rizz” como a palavra do ano de 2023. Se essa escolha fosse minha, se eu precisasse escolher as minhas palavras em 2023, seriam as quatro acima. Veja bem, sou grande entusiasta da lingua portuguesa e há outras formas, mais bonitas até, de dizer tudo isso em português. Mas hoje faço com que elas deem as mãos e contemplo a soma.
Look around
be astonished.
Olhe em volta. Esteja atônito.
Esse pensamento passou por mim tantas vezes ao longo do ano passado. A gente não costuma usar a palavra “atônito”, né? E quando usa, me parece ter uma conotação ruim, embora a definição seja justamente “tomado de assombro ou de grande admiração”.
Sinto medo de deixar de me assombrar (veja, o “awe” aí). Aquele meu viral de 2021 já era sobre isso. Seja um emocionado. Eu falava sobre essa capacidade de se assombrar com a vida. De se ver atônito diante dela.
A passagem do tempo que apavora mas nos lembra que o contrário da velhice não é a juventude, mas a morte.
O amor absoluto deixado pelo avô que partiu (como era grande, essencial, e como segue sendo presente cotidiano).
As imagens do telescópio James Webb.
O tanto que é bom tomar banho de mar à noite em Salvador, mas o tanto igualmente bom que é passar a noite de sexta-feira ao telefone com minha mãe.
As descargas ininterruptas de afeto que minha cachorra desperta.
A luz caindo sobre o One World Trade Center, que assisto com meu amor pelo Staten Island ferry, mas também a luz que se joga por sobre o meu sofá, disponível todas as manhãs.
Um grande copo d’água com gás e muito gelo em um dia escaldante.
Acontecimentos que me deixam atônita.
To be aware.
Exercito meu olhar à volta. Meu estar desperta. Me permitir maravilhar. E a partir disso, me entusiasmar com a possibilidade. Já faz tempo. Não acho que esteja me tornando melhor nisso. Parece mais um padrão de altos e baixos. Mas estar sempre à volta com esse desejo de não perder a capacidade de se assombrar, de admirar, de se ver fascinada – sobretudo com o que é menos comumente tido como grandioso – me parece ser combustão necessária. Pra sair do que está na tela e voltar-se a si. Pra sorrir de leve quando se dá conta de que sim, tudo tudo tudo tudo, o mundo todo, tudo anda muito absurdo. Mas acho que vale a pena.
Porque, olha, eu passo boa parte da vida no trenzinho do niilismo. Muito embora ele não seja necessariamente pessimista, há de se reconhecer a dificuldade da existência humana em um mundo sem significado intrínseco.
Mas sempre volto a um lugar onde a vista mostra que vale a pena.
E é claro que a gente poderia falar tudo isso usando o português.
Assim:
cultivar o olhar selvagem.
Expressão antes da clareza; prazer antes do like
2023 foi o ano em que, graças à psicanálise, comecei a aprender dar corpo às minhas ideias. Em alguma instância, isso significa simplesmente apresentar essas ideias em vídeo, o que é um processo mais complexo do que parece. Encarar a si na câmera, em exposição pública, pode ser gatilho pra muita coisa, sobretudo quando não há humor (muito menos deboche, deus me livre) envolvido.
“Nós nos lisonjeamos ao pensar que essa compulsão em agradar os outros é uma característica atraente: um dom para empatia imaginativa, evidência de nossa disposição para dar... desempenhamos papéis condenados ao fracasso antes mesmo de começarem, cada derrota gerando novo desespero pela necessidade de adivinhar e cumprir a próxima exigência feita sobre nós... Libertar-nos das expectativas dos outros, devolver-nos a nós mesmos... aí reside o grande e singular poder do auto-respeito.”
Joan Didion (dela, leia este, pelo menos)
Mas tenho percebido que serve ao amadurecimento, à empatia, aos possíveis novos laços. Porque quando a gente se submete a uma situação desconfortável, aprende a deixar muito pra trás e a perceber o que de fato faz bem. Quem de fato faz bem. Aprende que clareza é um objetivo importante. Mas é um objetivo. É resultado. Até lá, há uma estrada.
E nessa estrada, os rascunhos são numerosos e – eu acho – bonitos.
Se 2023 foi sobre assombro e entusiasmo, neste devo somar a isso um interesse especial pelos meios. Porque é no processo que estão os prazeres genuínos: enquanto escrevia essa newsletter, gravei este vídeo. Postei. Assisti várias vezes, orgulhosa – repare, eu costumo publicar e sair correndo, porque morro de vergonha. Dessa vez, achei e sigo achando uma coisa muito bonita, sensível e verdadeira. Se eu tivesse me deparado com ele em uma exposição, teria filmado pra guardar. Ele teve, até o momento, 3 likes, sendo um da minha mãe. E eu sigo achando que ele tá maravilhoso. Bem mais do que posts meus com mais de 40 mil curtidas.
E já que estamos falando em like, aproveito pra terminar elecando o de Antônio Peticov como meu favorito – apesar e apesar e apesar.
E o que é a vida?
A vida é uma maravilha.
O que é a vida?
A vida é uma maravilha.
brainfood: uma curadoria de links aleatórios
*se o link for em inglês, é só clicar com o botão direito e traduzir a página.
Rizz? Sério? Você pode estar me achando tóxica pelo meu texto acima. Mas não é por ser emocionada com a vida que eu me torno uma alienada. Pelo menos não a ponto de concordar com o dicionário Oxford em eleger “rizz” como a palavra de 2023, um ano com guerra, ares de apocalipse climático e avanço histórico da Inteligência Artificial.
Mas, pra quem tá curioso, o termo vem de "chaRISma" (carisma), gíria usada pela Geração Z para se referir ao charme ou à capacidade de atrair alguém. Ganhou popularidade principalmente através do youtuber e streamer Kai Cenat e do ator Tom Holland.Já o Dicionário de Cambridge foi mais relevante: escolheu "hallucinate" (alucinar, em português) como a palavra do ano, principalmente devido ao seu novo significado em relação à inteligência artificial. Originalmente, "hallucinate" refere-se a perceber algo que não existe, geralmente devido a uma condição de saúde ou ao uso de drogas. No contexto da IA, "hallucinate" ganhou um significado adicional, referindo-se à produção de informações falsas, tendenciosas ou prejudiciais por ferramentas de IA. + aqui.
Este perfil brasileiríssimo é um alívio visual.
44% dos consumidores no mundo acreditam que a mídia social não é mais social, segundo pesquisa da Social Future. Este post tem a ver com isso. Outros dados interessantes nessa pesquisa: as pessoas apontam que as redes sociais ainda trazem como benefício conectar-se com outras pessoas (33%) e encontrar pessoas com ideias semelhantes (29%).
Um gráfico que resume a história da imigração no Brasil:
➝ Tô gostando de “Assassinato no fim do mundo”. Série de mistério no Star+ ovre uma hacker e detetive amadora que é convidada por um bilionário para um retiro na Islândia, junto de outras oito pessoas. Um dos convidados é encontrado morto e a série se desenrola a partir daí. Tem uma pegada de Agatha Christie mas trazendo temas atuais, como o uso de IA - que o bilionário prefere chamar de “Inteligência Alternativa”, rs. Tem a Alice Braga no elenco.
➝ Tô no time dos que adoraram “O mundo depois de nós”, na Netflix, que conseguiu ter uma estética narrativa popular sem cair na obviedade.
➝ O novo filme do David Fincher, também na Netflix, traz um assassino profissional perfeccionista, interpretado pelo incrível Fassbender, que busca vingança pelo espancamento da namorada (Sophie Charlotte, fazendo uma pontinha).
➝ Leitura fundamental, “A era do capitalismo de vigilância” chama a atenção às consequências das práticas de empresas de tecnologia sobre todos os setores da economia. Livro aqui
➝ “Armageddon” é o novo stand-up do Ricky Gervais na Netflix, que acaboou de levar o Globo de Ouro de Melhor Performance de Comédia Stand-Up. É cancelável e discute o cancelamento. Sou fã declarada há anos.
➝ Estive com dificuldade em me prender em algum livro por meses. Até finalmente ir pra Trilogia de Copenhagen, da Tove Ditlevsen, uma das principais vozes da literatura dinamarquesa do século XX, que há muito aguardava na minha bucket list literária. Um amigo comentou que o livro, autoficcional, anda meio hypado. Acredito que seja devido à semelhança com a escrita de Annie Ernaux e Elena Ferrante (se você perdeu as edições anteriores, linkei em cada nome minhas principais recomendações de cada uma).
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