Da palavra do ano à nossa vulnerabilidade diante do caos
Sugestões de entretenimento eat the rich e mais.
Eu poderia categorizar este texto dentro dentro da sessão sobre tendências, já que ele tem como objeto o termo que foi eleito como a palavra do ano de 2022 pela Merriam Webster Dictionary: “Gaslighting”.
Infelizmente, não é uma tendência. É uma técnica de manipulação que tem sido cada vez mais utilizada.
A palavra vem do filme “Gas Light” (“À Meia Luz”, 1944), no qual um homem tenta convencer a mulher de que ela está louca, mudando elementos da casa e negando quando confrontado. Desde então, passou a ser utilizada para descrever uma situação em que alguém manipula outra pessoa para levá-la a duvidar de sua própria percepção da realidade. É utilizada principalmente em relacionamentos abusivos, seitas e, como muito vimos no Brasil, estratégias políticas. Mas também pode aparecer em outros âmbitos. Algumas das técnicas utilizadas e às quais vale ficar atento:
Negação: negar eventos claramente lembrados ou fatos concretos;
Distorção da realidade: mudar os fatos ou os interpretá-los de forma diferente da percepção da vítima;
Mudanças sutis: mudar objetos ou documentos para apoiar suas mentiras ou criar confusão na mente da vítima.
Desvio da atenção: mudar o assunto ou culpar a vítima por problemas que eles mesmos criaram;
Isolamento: afastar a vítima de suporte emocional ou relacionamentos saudáveis;
Culpa: fazer com que a vítima se sinta responsável pelos problemas ou pelo comportamento abusivo;
Amnésia seletiva: negar ter feito ou dito algo, mesmo quando provado o contrário.
Não é à toa
O burburinho sobre palavras como “gaslight” acontece porque o uso da técnica tem sido mais escancarado, inclusive no entretenimento. Nos últimos meses, a maioria das newsletters que assino comentou alguma coisa sobre o avanço das seitas, que lançam mão do gaslighting.
Depois de uma história de sucesso histórico (“A mulher da casa abandonada”), Chico Felitti retornou à cena com um novo podcast sobre uma seita (“O ateliê”). As listas de indicações de séries True Crime já se tornaram clichê. Em 2021, o gênero de terror ganhou 13% de participação no mercado de bilheteria, o maior índice desde 1995. E pela primeira vez, as vendas de ingressos para filmes de terror superaram as comédias, dramas e thrillers.
Por que o horror em suas diversas faces se tornou tão potente no entretenimento?
Porque conteúdo é capaz de nos oferecer segurança.
Quando assistimos a algo desconfortável ou que causa medo através de uma tela, ela funciona como uma barreira: estamos a uma distância segura. Tudo que sentirmos nesse momento está protegido. Nós, que sobrevivemos a uma pandemia que dizimou parte da humanidade, nós, que lidamos com o surgimento implacável de ferramentas de inteligência artificial, nós, que não temos as respostas e não fazemos ideia do que nos espera ao dobrar a esquina, estamos agora no controle, vendo o horror pela tela do celular e vivendo picos de adrenalina sem a ameaça de sofrer um único arranhão. Pelo tempo em que durar aquele conteúdo, estamos protegidos do que mais nos assombra: a realidade.
E quem mais fácil de manipular com distorções da realidade, do que aquele que se vê aterrorizado pelo real?
Por falar em expressões e movimentos que estão em alta, a vibe eat the rich pegou, né?!