Ansiedade algorítmica
E também: shadowban, tendências na forma como pesquisamos, séries e documentários
Trago ao final deste texto o link para uma reportagem excelente da New Yorker sobre a era da ansiedade algorítmica, um tema já corriqueiro aqui na VOZ. Há alguns anos que falamos sobre a urgência de reivindicarmos maior controle sobre o que é feito com nossos próprios dados. E por que um hub que trabalha com Branding tem isso como eixo editorial? Porque nos dedicamos a criar marcas que fazem a diferença no contexto sociocultural em que estão inseridas, e o funcionamento algorítmico, além de influenciar diretamente o posicionamento digital de um negócio, é debate urgente no tecido social.
"Geramos bilhões de dólares para as plataformas de mídias sociais graças ao nosso desejo de replicar para a internet quem conhecemos, quem achamos que somos e quem queremos ser."
Jia Tolentino
Um debate sempre atrasado
Mas já em 2018, quando comecei a escrever sobre esse tema, sabia que não daria tempo. A complexidade do assunto, somada à velocidade com que se desdobram e avançam as muitas formas de utilização de algoritmos por diferentes plataformas, não nos deixam tempo hábil para uma discussão clara e profícua sobre o que queremos (e exigimos).
Meu pessimismo de cinco anos atrás se confirmou: não só não conseguimos reivindicar controle, como entregamos a cada dia mais dados e, agora, já vivemos um dos desdobramentos disso em um âmbito pouco discutido: estamos sofrendo com ansiedade algorítmica.
Em resumo, a ansiedade algorítmica se refere à inquietação e ao desconforto que sentimos diante da influência predominante e velada dos algoritmos em nossas vidas, gostos, personalidades. Estamos à mercê de sistemas dos quais pouco ou nada entendemos e que têm suas próprias agendas: vender. Temos expectativas, suposições e inseguranças quando interagimos com a tecnologia. Esta sensação não emerge apenas da interação direta com algoritmos, mas também de um ambiente mais vasto, marcado pela vigilância, pelo capitalismo de vigilância e pela economia da atenção, que dominam a atual paisagem da internet.
Nos submetemos o tempo inteiro a um algoritmo que nos agrupa para, depois, nos vender alguma coisa. Você dá like em um post good vibes e brota na tela o anúncio de um aroma com promessa de felicidade; compartilha uma frase pessimista e já se depara com uma loja de camisetas com clichês nietzschianos. Mas algo que publicamos no impulso, às vezes em resposta a um sentimento passageiro, ou apenas à título de curiosidade, deveria definir quem somos e do que gostamos? Para os algoritmos, sim.
“Os dados estão aqui e estão sendo usados, comoditizados e comercializados de maneiras que nós, leigos, não entendemos. Estão ganhando dinheiro comigo, com você, com todos nós simplesmente por causa de quem somos e de nossas características, preferências, coisas que dizemos, que escrevemos; e criamos esse valor enorme para essas empresas.”
Andrew Gounardes, que introduziu nos EUA a Lei de Compensação e Responsabilidade de Trabalho de Economia de Dados
Tentativas falhas
Em uma tentativa de recuperar algum controle, muitos adotaram métodos caseiros para influenciar ou entender melhor esses sistemas. Isso vai desde truques para obter mais visibilidade nas redes até tentativas diretas de ensinar preferências aos algoritmos. Tentamos ensinar aos sistemas de recomendação nossas preferências, rejeitando ou avaliando filmes que não gostamos na Netflix ou passando rapidinho por vídeos indesejados do TikTok.
"Depois de seguir várias contas focadas em astrologia no Twitter, o feed de Valerie começou a recomendar um dilúvio de conteúdo astrológico. Seu interesse pelo assunto desapareceu rapidamente. 'Comecei a temer por minha vida toda vez que Mercúrio estava retrógrado, mas o Twitter continuou divulgando conteúdo relacionado.' O algoritmo coleta informações e toma decisões silenciosamente por nós, mas oferece poucas oportunidades de resposta."
Reportagem da New Yorker
Raramente funciona. As tentativas são recebidas com respostas algorítmicas teimosas. A promessa da tecnologia era de personalização, mas quando os sistemas insistem em recomendações indesejadas ou irrelevantes, reforçam a sensação de que estamos sendo mal interpretados por máquinas das quais precisamos. Estamos dependentes de um ecossistema onde nossa atenção é monetizada e nossos passos, monitorados, agravando ainda mais a ansiedade algorítmica – e não parece haver muito que possamos fazer a respeito.
Não bastasse o tamanho do buraco, nossa interação com os algoritmos é apenas a superfície de um problema muito mais profundo. O imenso volume de dados que alimenta esses algoritmos e as estruturas econômicas e de poder que sustentam plataformas tecnológicas deveriam ser discussões anteriores, pras quais também já estamos atrasados. Na minha bolha, se fala bastante sobre isso. Mas qual o percentual da população que sabe que, como e pra que os dados delas estão sendo coletados e utilizados por empresas bilionárias? Quando penso nas implicações socioculturais e psíquicas disso tudo, a ideia de ansiedade algorítmica faz sentido pra caramba.
Por falar em ansiedade: me dá um nervoso imenso ler newsletters recheadas de hyperlink dentro do texto 🤯 A sensação é de que quero/preciso ler todos. Por consequência, acabo deixando o próprio texto pra depois, pra quando tiver mais tempo (nunca mais) e me frustro. Por isso, tenho optado por colocar as leituras complementares depois do texto, como fiz abaixo. Me ajude a entender ↴
Mais sobre o mesmo tema
Elon Musk: como o bilionário da tecnologia construiu um monopólio individual sobre a infraestrutura americana e tornou-se poderoso demais para que o governo dos EUA pudesse controlar. Aqui;
Minha fala sobre isso no Santander Cultural: parte 1 e parte 2;
O livro de Jia Tolentino com as passagens que você leu no meu texto é este – e recomendo demais!
NOTA: Eu já havia fechado esta edição há algumas horas quando soube da reportagem especial do UOL, que revelou que farmácias estão vendendo 15 anos de seus dados para você receber anúncios. Os questionamentos surgiram após uma investigação mostrar que a RaiaDrogasil armazena dados de 48 milhões de pessoas e que a RD Ads, empresa de publicidade da mesma rede, libera essas informações para anunciantes com fins de publicidade direcionada. Ou seja, nem só de Instagram se sustentam nossas reclamações…
Existe uma treta no Instagram chamada shadowban: o banimento silencioso ou "banimento fantasma" refere-se a uma prática pela qual a visibilidade das postagens ou atividades de um usuário é restringida. Quando alguém é "shadowbanido", o alcance de suas postagens é drasticamente reduzido, deixam de aparecer em pesquisas, na página "Explore" ou até mesmo nos feeds dos seguidores. Pode acontecer por diversos motivos mas, adivinhe? Pra variar, não há transparência da Meta em relação a isso 🫠
Recentemente, desconfiei que a conta de uma cliente estivesse nessa situação. Propus que assinássemos o novo selo de verificado, que promete oferecer suporte com o time da Meta. Ela topou. Assinou. Entrei em contato com o tal suporte. O resultado? Me disseram ter analisado e concluído que estava tudo bem com a conta. Questionei: temos quase 4 mil seguidores e os posts têm sido entregues pra menos de 30 pessoas. Me enviaram links para as diretrizes já públicas do Instagram (que dizem pouco e nada que eu já não saiba) e me disseram que o problema poderia ser até a utilização de dispositivos muito antigos ao fazer as postagens – não estão satisfeitos com um iPhone 13 Pro Max 🥴
Conto isso para dizer que:
Se reforça a gravidade da falta de transparência das corporações nas quais pessoas e marcas investem tempo e dinheiro todos os dias;
Se você cogita assinar o verificado do Instagram pra obter suporte, já adianto que não funciona;
Seu engajamento está baixo? Talvez não seja problema dos seus posts: é impossível haver engajamento em posts que não são mostrados ao público;
Gosta muito de uma conta? Obrigue o algoritmo a entregar as publicações ativando as notificações de novos posts. Já recomendo fazer isso com a VOZ ;)
Onde você pesquisa na internet?
Pouco tenho utilizado o Google pra pesquisas: a receita da bala baiana que fiz no fim de semana? Pesquisei no TikTok. Uma manicure nova? Busquei no Instagram.
Não sou a única. E trago dados ↴
A leitura continua após o paywall – na última sessão também há dicas de uma série aclamadíssima e ainda pouco comentada, o livro incrível que tô lendo e dois documentários que recomendo a todos!