Cultura fragmentada - e séries pro fds
Da dissolução de nossa identidade social compartilhada à estratégias de Branding para responder a isso
Estamos em fragmentação cultural. Nossas experiências e interesses nunca estiveram menos centralizados: se antes a cultura podia ser definida por um conjunto limitado de influências dominantes, hoje há multiplicidade de vozes, meios e movimentos criando um ecossistema muito mais complexo, difuso e formado por microculturas.
Clifford Geertz, um dos mais influentes antropólogos do século 20, definiu as estruturas culturais que moldam nossas vidas como "teias de significado". Em sua teoria elaborada entre as décadas de 70 a 90, ele via a cultura como um sistema de símbolos compartilhados que dão significado à realidade.
Mas o que acontece quando esses símbolos são tão diversificados?
O apagamento das fronteiras
A primeira e mais óbvia razão para essa fragmentação é o domínio digital.
Emergiram plataformas que democratizaram a expressão, permitindo que todos compartilhem suas vozes e perspectivas, desafiando o controle que os meios tradicionais (TV, rádio etc) exercem sobre o discurso cultural.
… pro bem e pro mal
A internet apagou (ou, pelo menos, borrou) as fronteiras das influências culturais. Se em 1990, para alimentar meu senso de pertencimento eu precisava batalhar em busca de interesses em comum com crianças de Horizontina, no interior do Rio Grande do Sul, hoje, minha sobrinha de 6 anos, estudando na mesma escola, pode pertencer a uma comunidade global de entusiastas de k-pop, por exemplo.
A consequência positiva mais imediata da fragmentação é essa aproximação de perfis anteriormente separados. Comunidades se formam em torno de interesses muito específicos, se misturam e se fortalecem; tradições e culturas se fundem de maneiras novas e criativas. Vozes antes marginalizadas ou silenciadas agora dispõem de plataformas e influenciam a cultura, encontram espaço e conexão.
Por outro lado, à medida que a cultura se diversifica e se dilui, presumivelmente reduzimos a quantidade de experiências culturais coletivas.
E por instinto humano, sentimos falta delas.
Prejuízo à perspectiva
Sobretudo porque esse isolamento não é apenas digital. Marshall Sahlins, outro importante nome da antropologia moderna, explorou o conceito de "cultura como prática", destacando como as sociedades criam e recriam suas culturas através de ações cotidianas.
Em um mundo onde cada vez mais nos agrupamos digitalmente com aqueles que compartilham de interesses específicos, acabamos por restringir nossa "prática cultural" ao interagir apenas com o que nos é familiar e palatável.
Conseguimos nos agrupar mais facilmente, mas temos prejuízo em nossa identidade cultural coletiva. Quer um exemplo fresquinho? Quando você se depara com o advento delirante das lives NPC, não se sente deslocado? Não lembro onde, mas li o seguinte a respeito dessa história: se isso é a internet agora, será que eu pertenço a ela? E mais: quero pertencer?
Mais exposição ao diferente, menor diálogo sobre ele
Na internet de 2023, há mais categorização e menos pertencimento. Porque se é tão fácil formar uma bolha, acabamos reduzindo nossa exposição a pontos de vista divergentes. E quando nos cercamos apenas de vozes semelhantes, empobrecemos nosso repertório, estreitamos o diálogo e comprometemos nossa capacidade social de compreensão e empatia. A fragmentação cultural isola perspectivas e, por consequência, pessoas.
Da fragmentação coletiva à fragmentação do eu
Essa aceleração e fragmentação cultural nos expõe a uma quantidade muito maior de influências. Estamos constantemente experimentando, avaliando e nos adaptando a múltiplos papéis e personas. Se Narciso tinha um espelho d'água, nós temos Instagram e o TikTok – e a cada vez que nos olhamos através deles, encontramos um novo eu.
Cada filtro, postagem, curtida ou comentário é uma oportunidade de refletir e moldar uma nova versão de nós mesmos – muitas vezes adaptada ao que acreditamos ser esperado ou valorizado por uma subcultura específica. Cada nova microtendência nos faz colocar em cheque nossas crenças e desejos.
De que realmente gostamos?
Quantas vezes preciso ser exposta àquele tênis estranhíssimo até decidir que preciso dele?
De que lado do tribunal da internet eu estou nesta semana? Cancelado ou cancelador?
Se temos hoje mais liberdade para nos experimentarmos, também somos levados a questionar qual de nossas facetas é genuína. A fragmentação cultural pode ter aberto portas para a expressão individual, mas trouxe o desafio de descobrir (e sustentar) autenticidade.
Marcas fortes dependem do quão relevante são ao seu público de interesse. Para fortalecê-las, portanto, precisamos entender esse público.
Mas com tantas vozes e microculturas, com essa perda de identidade compartilhada e de personalidades confusas (e difusas), como identificar quem é esse público e o que é relevante para ele?
Vejo alguns caminhos
Os insights seguem após o paywall – na última sessão também há dicas de uma séries pra quem curte repensar estilo de vida e dos dois últimos livros que li e recomendo.